Felizes Juntos? A Beleza e a Melancolia do Amor em Wong Kar-wai

Felizes Juntos (Happy Together), é um filme dirigido pelo aclamado cineasta Wong Kar-wai e foi lançado em 1997, e que apesar dos quase 30 anos desde o seu lançamento continua atual, tocante e profundo. Uma obra que transcende as fronteiras convencionais do romance ao explorar a fluidez das emoções humanas. Mais do que uma simples história de amor, o filme é uma reflexão íntima sobre a dificuldade de se manter uma relação e a busca incessante por pertencimento.
Na trama acompanhamos Ho Po-wing (Leslie Cheung) e Lai Yiu-fai (Tony Leung), um casal gay que viaja da cidade de Hong Kong para a Argentina em busca de novos horizontes, mas se veem presos em um ciclo tumultuado de separações e reencontros. O enredo se constrói em torno das nuances emocionais entre eles, onde o amor e o desejo colidem constantemente com a frustração e a melancolia.


Visualmente, Wong Kar-wai emprega sua marca registrada de saturação intensa e uso expressivo da câmera lenta, criando uma atmosfera que reforça a subjetividade da experiência afetiva. As cores são vibrantes e os espaços urbanos da Argentina, como as ruas de Buenos Aires e as Cataratas do Iguaçu, não apenas emolduram a narrativa, mas espelham o estado emocional dos personagens.
Mais do que um romance tradicional, “Felizes Juntos” é um filme sobre a solidão. Wong Kar-wai não romantiza a relação dos protagonistas, mas revela suas fissuras. A convivência constante, longe de casa, os coloca diante das dificuldades de se conectar verdadeiramente com o outro e consigo mesmos. Lai Yiu-fai deseja estabilidade e cuidado, enquanto Ho Po-wing vive de impulsos e instabilidades. Essa assimetria emocional é a fonte constante de atrito entre eles, criando um ciclo onde os dois se encontram presos entre o desejo de permanecer juntos e a necessidade de se afastar.

A metáfora da “busca por um novo começo”, representada pela viagem para as Cataratas do Iguaçu, é particularmente marcante. A escolha das Cataratas do Iguaçu como símbolo de renovação reforça a ideia de que a busca por recomeços pode ser ilusória e frustrante especialmente quando nos mantemos presos aos mesmos padrões destrutivos de relacionamento. É nesse ciclo repetitivo que o filme encontra sua força: ele ilustra como, muitas vezes, buscamos nos outros uma redenção que só pode vir de dentro.

Embora “Felizes Juntos” se passe longe de Hong Kong, a identidade cultural dos personagens e sua posição como estrangeiros na Argentina adicionam uma camada de complexidade ao filme. Assim como sua relação é marcada pela falta de estabilidade, eles também são estrangeiros em um país distante, lidando com a sensação de não pertencimento. Essa metáfora ressoa fortemente com a experiência de muitos indivíduos LGBTQIA+, que, mesmo em casa, podem se sentir deslocados e desconectados das expectativas sociais normativas.

Lay Yiu-Fai e Ho Po-wing dançam na cena que se tornou um dos momentos mais icônicos do filme

Um dos aspectos mais sensíveis do filme é a maneira como retrata a relação entre dois homens sem fetichização ou caricatura. O amor é apresentado em sua crueza, nas pequenas alegrias e nas grandes dores. Ao mesmo tempo, Wong Kar-wai evita transformar a sexualidade dos personagens no foco principal, permitindo que a narrativa se concentre no aspecto universal das emoções humanas.

Felizes Juntos é uma obra que captura a complexidade do amor e da solidão com uma sensibilidade ímpar. Wong Kar-wai constrói um universo onde as emoções não têm respostas fáceis, e o amor é simultaneamente uma âncora e uma fonte de tormento. Mais do que uma história sobre dois homens apaixonados, o filme convida o espectador a mergulhar numa reflexão sobre a fragilidade das relações humanas, a incessante busca por autoconhecimento e pertencimento. O tipo de filme que ressoa de maneira profunda com todos que já se sentiram perdidos, amados, deslocados e à procura de um recomeço.

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